A espiritualidade dos primeiros humanos


Se imagine, por um momento, acordando há 30 mil anos. Deitado sobre a pele de um animal, sua face é aquecida por um faixo de luz do amanhecer que entra pela caverna. Você desperta. A sua frente, os restos de uma pequena fogueira ainda fumegam. Na parede da caverna as suas costas, a figura de um bisão pintada por você na noite anterior como um ato mágico, te lembra da sua tarefa. Você está sozinho, você precisa caçar.

De posse de alguns galhos afiados, um machado de pedra e aquela pele amarrada a cintura, você inicia sua busca. Os mais velhos e mais atentos aos movimentos da natureza avisaram que o ar ficaria seco, que as plantas iriam crescer mais pra longe e que os animais as seguiriam, assim, dividiram a tribo em grupos para que a família que encontrasse alimento primeiro fosse avisar as outras. Por isso você está ai, nessas áridas terras do sul, evocando nas paredes o bisão que salvará você e sua família da fome.

Da sua esquerda sopra leve brisa, um perfume de capim verde. Você conclui, “a brisa é a respiração do bisão, de onde ele sopra existe caça”. Você sobe uma elevação, pisando em pedras, galhos secos e insetos mortos. Lá de cima você vê, um tapete verde salpicado de bisões se estende por todo o horizonte. Ao “bisão sagrado” você agradece.  

Escondido atrás de um cupinzeiro, você se aproxima de um pequeno bisão que foi esquecido pela manada distraído bebendo no riacho. Um salto, cinco golpes rápidos, ele está morto. 

No fim da tarde, depois de carregar a carne pelo caminho até sua família, você senta e descansa. Sua mulher prepara a carne e seus pequenos filhos o fogo. Para quem estava sem comer a dias, o sabor é indescritível. De repente você se lembra dos outros membros da sua tribo e se pergunta: “Será que acharam alimento, será que estão vivos?”. Você gostaria de trazer o resto da tribo para esse lugar incrível, mas não vale a pena deixar sua família a mercê dos coiotes enquanto você arrisca sua vida numa viagem sem destino certo. 

Alguns anos depois, sua família já memorizou cada pedra, árvore, montanha e fontes de água que existem na região. E agora do alto do morro, por uma vez mais você agradece ao “bisão sagrado” que te trouxe está vida tão boa. Enquanto isso, lá embaixo, seu filho mais velho cava um caminho da margem do riacho até a encosta da montanha, para que a água flua por esse desvio e chegue ao capim que vocês plantaram para alimentar sua nova criação de bisões.

Bisões selvagens pastando no Parque Nacional de Yellowstone/Wyoming/Estados Unidos.
Percebe a magia atuando? Alguém precisando sobreviver pede ajuda a natureza, e por estar querendo uma resposta, a percebe no vento. Como em uma situação dessas não ver o bisão como seu amigo? Como ignorar sua força e apoio? Como não querer que o bisão fosse alguém com braços e pernas iguais as suas? Como não reverenciá-lo e festejar sua presença diante de uma fogueira? Como não contar histórias sobre a generosidade do bisão para seus filhos? É assim que imagino que tenha sido o inicio das religiões na pré-história, com lendas e personagens criados por nossos ancestrais, para transmitir o que sentiam diante das forças da natureza.

Todos nós, humanos, temos essa ligação com a pré-história. Nossos ancestrais saíram das cavernas e se organizaram em tribos diversas. Então, baseado nessa viagem que acaba de fazer ao passado, inspirada em pesquisas que fiz sobre o tema, fica fácil concluir que coisas parecidas com essas, tenham acontecido com os Aborígenes da Austrália, com os Maoris da Nova Zelândia, com os Guarani da América do Sul, com os Lakota da América do Norte, ou mesmo com os Medos (povo extinto originário do Oriente Médio que tem ligação com a origem dos Magos). 

Tem tribo, por exemplo, que classifica tudo que desperta emoção, arrepio ou sensação, como algo dotado de espírito. Outras que enxergam os animais, plantas, paisagens, rochas, rios e ventos, como ancestrais, parentes, amigos e irmãos com os quais podem aprender a sobreviver. Há ainda aquelas que ao invés de se ligarem espiritualmente a elementos da natureza, se ligam ao espirito de pessoas queridas, vivas ou mortas, podendo inclusive conversar e ver o falecido na aldeia dando seu último adeus. Existem ainda, os povos que classificam como espirito tudo aquilo que lhes influência através dos sonhos. Sem falar naqueles, que evocam forças e energias através de símbolos mágicos riscados no chão, papel ou parede, exatamente como você há 30 mil anos.

Esferas vermelhas da caverna de El Castillo, Cantábria/Espanha
Como percebem, esse mundo espiritual é muito complexo, pois cada povo desenvolveu suas práticas espirituais baseado no ambiente a sua volta, logo, cada uma das diversas tribos a habitar a terra tem sua própria cultura e religião, ou seja, acreditam em verdades diferentes, possuem poderes diferentes e praticam rituais sagrados bem particulares. Sendo aqui o mais importante notar, que, independente da história pregressa, cada um desses rituais ou modo de ver, funciona muito bem para seus povos de origem, dentro da cultura a qual estão inseridos, mas raramente para pessoas que cresceram em outras tribos, realidades ou paisagens diferentes. Aquela sabedoria que traz tanto poder pessoal para determinado povo, pode te fazer muito mal se aplicado por você que não compreende o contexto cultural no qual ela está inserida. Em outras palavras, o que me faz bem, pode te fazer mal. Por isso é tão importante no caminho da magia, que é também um caminho de autoconhecimento, descobrir de onde você veio, seja no nível ambiental, cultural, sanguíneo ou hereditário, pois só assim você saberá de qual paisagem, cultura e povo vêm seu poder pessoal e espiritual. Agora, caso não consiga chegar tão longe em suas buscas, apenas se lembre das cavernas, do silêncio e da escuridão, lá é a origem de todos os nossos poderes. Se fechar os olhos e respirar bem fundo, os encontrará.

"Por meus caminhos, por meus relacionamentos, eu agradeço!"

Até a próxima.

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